segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Quanto vale o conhecimento?

Quem acompanha os noticiários diários deve ter se surpreendido e até mesmo se revoltado com a divulgação daquilo que alguns veículos da imprensa chamaram de “a farra dos supersalários” da USP. Um famoso colunista de um jornal de grande circulação nacional chegou a criticar os doutores da USP por provocarem um gasto de 105% no orçamento com a folha de pagamentos, mas, caro leitor, por que tanta acidez ao falar desses estudiosos? Será mesmo que os professores não merecem ganhar tal salário?
A falta de cuidado como que a imprensa trata desse assunto me assusta. Já existe por aí a ideia de que as universidades públicas oneram o Estado e nada produzem, e esse tipo de cobertura tendenciosa apenas aumenta essa visão preconceituosa. Não acredito que um professor universitário que passou a maior parte da vida estudando, ganhando bolsas de valores irrisórios, abnegando horas de lazer por estudo e ignorando o trabalho na iniciativa privada para seguir a área acadêmica não mereça ganhar um piso superior aos R$ 20 mil, assim como acredito que esse deveria ser o salário de diversos outros profissionais indispensáveis.
Atualmente, o maior salário da universidade – R$ 60 mil, é o de um professor aposentado do Instituto de Psicologia, com 90 anos, o pesquisador é ainda muito ativo na universidade. Mas como se sabe e a imprensa fez questão de destacar, hoje a USP não poderia pagar salários superiores aos R$ 20 mil, pois o teto constitucional paulista é atualmente limitado pelo salário do governador (R$ 20.662).
Mas o que poucos sabem é que os caminhos dos pesquisadores brasileiros são um tanto tortuosos; atualmente, durante a graduação quem decide fazer pesquisa é remunerado em apenas R$ 400 pelo CNPq, já as bolsas de mestrado estão fixadas em pouco mais de R$ 1 mil, lembrando que neste período a dedicação deve ser total, o pesquisador trabalha 40 horas por semana, não pode ter outra renda e não possui nenhum tipo de direito trabalhista. Além disso, não existem bolsas suficientes para manter alunos na pós-graduação aqui no Brasil e por isso muitos optam em estudar ou trabalhar no exterior. Grandes pesquisadores e professores decidiram trabalhar no exterior por causa dos salários competitivos e a facilidade em conseguir financiamento de pesquisas científicas, é o caso do neurocientista Miguel Nicolelis, o paulistano considerado um dos principais pesquisadores do mundo, reside e trabalha nos EUA, chefia um dos mais avançados laboratórios de neurociência do mundo, o da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Nicolelis fez um primata mover um braço robótico apenas com o “pensamento”, a descoberta é importante para desenvolver uma interface eficiente entre cérebro e máquina e, futuramente, devolver os movimentos a pacientes paralisados.
Todos os anos novas pesquisas inovadoras são encabeçadas por pesquisadores de universidades públicas.  Na Unesp, um grupo de pesquisa criou uma cola de pele feita com veneno de cobra e sangue de boi, já na USP, recentemente, foram feitos testes de vacina contra o HIV em macacos. Outra descoberta interessantíssima que saiu de terras brasileiras culminou na descoberta do CAPTOPRIL, remédio utilizado em grande escala no tratamento da hipertensão arterial. São centenas de pesquisas importantíssimas, mas que não são de conhecimento público, não por falta de interesse dos pesquisadores ou das universidades em divulgá-las, mas falta interesse até mesmo da imprensa, que limita tratar o assunto científico a apenas uma página ou pouco mais que isso.
Além de dar aulas, um professor de universidade pública realiza pesquisas, orienta centenas de alunos, produz livros, participa de seminários e busca meios de financiamento para as pesquisas. O fato é que os professores trabalham muito, estudam muito, dormem pouco e abnegam ganharem salários superiores no setor privado para se dedicar ao ensino e à produção de conhecimento.
Mas, e os salários de R$ 60 mil, são exagerados mesmo? Existem outros profissionais que ganham tanto quanto professores. Há, por exemplo, um cargo no setor público nomeado de prático, esse profissional é encarregado de orientar os comandantes dos navios que chegam ou saem de um porto, e o rendimento mensal pode chegar a R$ 100 mil, não que esse profissional não seja importante, pelo contrário, são pessoas altamente capacitadas, mas os nossos professores também merecem ganhar bons salários. Não é novidade nenhuma a existência de cargos específicos com salários considerados altos para a média, mas pergunto a você leitor, não seria o caso da opinião pública defender o aumento dos salários considerados baixos?
Talvez fosse o momento de discutirmos como devem ser definidos os salários dos docentes e questionar se eles de fato são competitivos com outras universidades nacionais e internacionais. O trabalho científico das universidades é pouco valorizado em nosso país e a nossa produção científica ainda é artesanal. A ciência e a educação precisam ser valorizadas, os salários de R$ 60 mil não são o verdadeiro problema.

*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e líder da bancada na Assembleia.

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