terça-feira, 10 de junho de 2014

Quando a referência se torna omissão

“Esta e a obrigação maior da profissão médica e, sem discussão, através dos tempos, o respeito pela vida de outra pessoa”. A frase citada é do médico Luís Carlos Sobania, e é parte do artigo “A Ética na Emergência”, publicado no portal do Conselho Federal de Medicina.
O Luis que assina o artigo remete a outro Luiz, mas este por sua vez teve um final tremendamente trágico na última semana. Luiz Claudio Marigo, 63 anos, pioneiro da fotografia de natureza no Brasil, morreu após passar mal dentro de um ônibus em Laranjeiras, em Botafogo, Zona Sul do Rio.
Na segunda-feira, 2/5, Marigo passou mal dentro de um coletivo e foi prontamente socorrido pelos passageiros. Desesperado com a situação, o motorista parou em frente ao Instituto Nacional de Cardiologia (INC), considerado referência em doenças do coração. Imagens veiculadas em rede nacional mostram o desespero de quem acompanhou a situação, mas, segundo testemunhas, o INC informou que somente uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) poderia prestar o atendimento, nenhum médico o teria atendido porque o hospital não possui emergência.
Após dez minutos de espera, funcionários do Samu que transportavam outro paciente para o Instituto fizeram a primeira reanimação. Mas o fotógrafo morreu ali mesmo, após um ataque cardíaco e em frente ao hospital referência em cirurgia cardíaca.
Mas porque uma equipe do hospital não tentou fazer uma reanimação? Mesmo que o hospital não possua um setor que atenda urgências e emergências, é uma instituição especializada em doenças relacionadas ao coração e cirurgia cardíaca adulto, infantil e neonatal, ou seja, possui uma equipe capacitada e aparelhos de reanimação. No site da instituição, é possível ler: “centro de excelência nacional referenciado pelo Ministério da Saúde para atendimento em cardiologia e cirurgia cardíaca, o Instituto Nacional de Cardiologia é a única unidade pública do Rio de Janeiro que realiza cirurgias cardíacas neonatais e transplantes cardíacos”.
Como um hospital referência pode negar o atendimento a um caso emergencial? Em nota, o INC informou que não houve tempo de prestar socorro ao homem que passou mal. É claro que a direção do instituto encontrará inúmeras justificativas para o episódio, mas não há como negar que houve negligência. Infelizmente esse não é o primeiro caso de morte por negligência no atendimento médico, no início do ano, um bebê prematuro morreu após um hospital de Salvador (BA) negar atendimento a mãe, o parto teve que acontecer dentro de um carro; em abril um jovem morreu sem atendimento após ser baleado na porta do Hospital Geral de Pirajussara, em São Paulo; no mês passado a jovem de 16 anos, Gabriela Zafra, morreu com suspeita de meningite e depois de peregrinar por diversas unidades de saúde de Ribeirão Preto (SP).
Mas casos como esses não são nada recentes, na verdade todas as semanas ouvimos falar de pessoas que morrem porque hospitais estão lotados, mal preparados e até mesmo negam o atendimento aos pacientes. Famílias perdem entes queridos e iniciam processos extremamente longos e exaustivos, tudo isso porque a vida de uma pessoa tem sido vista como apenas mais um número.
O direito à saúde e, por consequência, à vida com dignidade, está tutelado pela Constituição Federal de 1988 e pelo ordenamento jurídico, ou seja, nossa constituição tem sido jogada no lixo todos os dias. Se nem mesmo alguns profissionais da saúde parecem estar dispostos a lutar pela vida, quem estará? É nessas horas que eu me pergunto: em caso de emergência o que devemos fazer? Procurar um hospital referência? Essa não parece mais ser a melhor opção.

*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e líder da bancada na Assembleia.

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